Reflexão

(post de Cisto)

Penso que podemos dividir a população em dois tipos de pessoas: aquelas que atentam ao “acontecimento” e aquelas que procuram saber o que esta por detrás do mesmo “acontecimento” no intuito de o compreender melhor. É evidente que numa sociedade alimentada a sopas de cavalo cansado, “spoon-fed”, o primeiro tipo de pessoas constitui a maioria. Por outro lado, num pais em permanente estado de depressão (da qual nem o futebol o livra), as acusações acerca do carácter daqueles que nos desiludiram tornam-se particularmente agressivas e descabeladas, tal e qual como se queimavam bruxas ou pobres diabos no passado. As pessoas nunca gostaram muito dos que tem uma vida diferente da nossa, dos que fizeram escolhas de vida alternativas ao padrao sociológico ou daqueles que, por exemplo, sao muito ricos.

Assim decorre a novela Moutinho. Como seria de esperar, o que nao falta na internet e blogosfera sao acusações ao caracter do homem, a comparação com o Manuel Fernandes (como se fosse verosimel que o antigo capitão do Sporting abdicasse da sua individualidade em prol de uma direcção como esta) surge 150 vezes em cada thread, e pelo menos (serei generoso) metade dos sportinguistas estao convencidos de que o Moutinho não era sequer bom jogador, não marcava golos, não fazia assistencias, não roubava bolas e que enfim corria muito lá isso corria. Não hesitam em considerar que o mau futebol do Sporting de resto devia-se ao Moutinho. Chamam-lhe de anão (havera insulto mais basico do que chamar de anão a uma pessoa de baixa estatura?) e jura-se a pes juntos que o que o Sporting precisa é de medios experientes (venha o Paredes outra vez).

Visto de fora, Bettencourt e o seu compincha Costinha são profissionais do mais pobre que se possa imaginar, cometendo erros atras de erros, falhanços atras de falhanços, mostrando uma ausencia de estratégia e estupidez de discurso capazes de embaraçar qualquer individuo que tenha lido mais do que 3 livros na vida. Na hora de referir a transferência daquele que tem sido um jogador largamente elogiado por todos pelo seu esforço, dedicação e devoção, insultam-no, na praca publica, chamam-no de maçã podre - podre! - cospem-lhe em cima, do alto da conferência de imprensa, e a maioria rejubila e segue o exemplo. Este comportamento de terceiro mundo - e aqui não há que ter sequer ilusões de que Portugal se encontra intelectualmente a um nivel fugazmente parecido ao outros paises europeus - nao é sequer muito comentado na imprensa e não vi em lado algum indignação perante os modos como o Presidente do Sporting Clube de Portugal se dirige a um atleta com 11 anos de casa (mas podiam ser só dois ou tres meses). É abjecto. JEB é uma extensão intelectual da Juventude Leonina. Mas se a uma claque se admite a injuria (e não há adepto que não tenha injuriado um atleta, tal como não há um condutor que não tenha já tecido consideracoes deselegantes a mae de um taxista), a um dirigente de um clube como o Sporting tal não deveria passar incólume.

Mas passa. E isso define o grau cultural de um pais. Eu não espero que as pessoas questionem o que terá motivado a dita incompatibilidade do Moutinho ou de como será possivel que ao fim de 11 anos se conclua que afinal o individuo e do mais ordinario que possa haver, isso seria pedir muito da capacidade critica. Mas que se indignem por se permitir que um cidadão honesto, que fez a sua formação, trabalhou no duro, pagou impostos e teve até reconhecimento internacional, representando a Selecção Nacional por dezenas de vezes em varies escalões, veja a sua dignidade posta em causa (utilizando um eufemismo) em conferência de imprensa, apenas para que a pele de uns escape ao escrutinio publico e o minimo que poderei alguma vez exigir. O publico, esse, pega na deixa de JEB e chama Moutinho de ser um “furunculo”, um “filho da puta”, um “cabrão”, etc, etc. Há mais pudor em condenar as palavras de Bettencourt do que em adicionar adjectivos ou comparações do mesmo grau ordinario das do presidente. É tudo muito triste.

Tudo isto levou-me a reflexão do que é que me faz ser sportinguista e preocupar-me com os seus assuntos. O que me faz vibrar com as suas vitorias e sofrer com as derrotas, mesmo estando a residir no estrangeiro? Ate há algum tempo atras, tem sido a identificação com as suas cores e historia, o sentimento de pertencer a um grupo de pessoas com ambiçoes (desportivas) semelhantes, a recordação do abraço espontaneo a um desconhecido sentado ao meu lado no Estadio do Jamor, em suma, o orgulho de se saber um segredo partilhado por uma espécie de minoria.

Temo que já nada disso existe. Tenho pouco que ver com o Sporting e seus adeptos. Entrou-se numa fase da estupidificação, da qual não quero fazer parte e da qual não vejo saida.