Um artigo longo para um assunto ainda maior.

O Benfica Sporting veio pôr em evidência um problema central no debate futebolístico em Portugal, nomeadamente o que envolve Benfiquistas e Sportinguistas, e que tem prejudicado gravemente a possibilidade de se produzir informação realmente relevante. Pessoalmente, apesar de não gostar dos insultos mútuos que são banalizados pelo futebol, sempre tive como uma das minhas coisas preferidas como adepto deste desporto o facto de podermos debater acaloradamente um assunto que, ao fim do dia, não é assim tão importante e permite ferver um pouco o sangue sem consequências de maior.

A verdade é que durante muito tempo sentia estas discussões centradas no aspecto desportivo mais puro. Este jogador é ou não melhor lateral do que o teu. O meu treinador prepara ou não melhor tacticamente a equipa. Até coisas como os adeptos do Benfica não têm dentes e os do Sporting são ou não betinhos e o teu presidente é bimbo ou bêbado me divertiam, se não durante, pelo menos no fim da conversa.
O crescente peso da arbitragem nestas conversas veio mudar o jogo. Sei que o Benfica também durante muito tempo choramingou um suposto favorecimento ao Porto a este nível. Mas agora, se me permitem, parece que o Sporting tomou a dianteira. Hoje em dia parece-me que há uma possibilidade de 50% de qualquer conversa entre os adeptos dos dois principais clubes de Lisboa ir parar a arbitragens. Isso está a tornar-se desgastante para mim, e acho que não estou sozinho entre as duas facções – conheço vários sportinguistas fartos de se repetirem e vários benfiquistas fartos destas repetições.

Tentemos destilar as várias conversas às suas pedras de toque. Os sportinguistas parecem-me os adeptos portugueses mais atentos e talvez mais documentados (em lances de jogo) ao desempenho das equipas de arbitragem e não só nos jogos que envolvem o seu clube. As causas deste fenómeno parecem-me ter dois suspeitos principais, que nem são exclusivos entre si. Por um lado, poderá existir um histórico de prejuízo sistemático do clube de Alvalade que levou os seus simpatizantes e sócios a encetar uma defesa natural documentando-se o melhor possível para poder fazer ver a todos os outros os danos que lhes são provocados. Por outro lado, poderá defender-se que os sportinguistas ganharam uma cultura tal de valorizar o papel dos árbitros no resultado que estão muito mais “activados” para ler as suas decisões como benefício ou prejuízo do que o adepto comum.Qualquer destas hipóteses parece-me defensável, nos extremos, em graus, ou em variadas combinações de ambas. Era por isso muito importante podermos ter um estudo histórico detalhado e profundo para que se possa avaliar como surgiu esta torrente de insatisfação sportinguista em relação às arbitragens. Este parece difícil de conseguir pela disponibilidade de pesquisa que exige e que daria obviamente direito a um livro.

Do outro lado temos os benfiquistas. Falando agora por mim, mas com a ideia de que poderei ser apenas um exemplo, diria que se calhar tenho vindo a ser cada vez mais intolerante com o descontentamento/revolta/frustração (como lhe preferirem chamar) em relação às arbitragens. Essa intolerância poderá até ser motivada pelo volume e tom de algumas acusações de prejuízo do Sporting em benefício do Benfica (e vice-versa) mas a verdade é que, nós como benfiquistas, pelo menos eu enquanto tal, teremos que ter mais respeito pelas opiniões de que discordamos (mesmo quando discordamos muito e nos sentimos intimados a absorver a retórica dos outros) e ser mais abertos à primeira possibilidade que levanto acima (de os sportinguistas estarem realmente com uma dose significativa de razão nas suas reclamações). Tal envolveria tentar perceber melhor o ponto de vista dos adeptos leoninos, respeitando e(até um certo grau) a sua animosidade e tentando abordar cada caso de cada vez ao invés de respondermos à indicação de um lance polémico com outro.

Numa base para chegar a alguns pontos de concórdia gostava de citar uma acalorada discussão com dois amigos sportinguistas sobre precisamente esta matéria, durante a qual um deles fez um ponto pertinente. Os árbitros, como qualquer outro ser humano, são influenciados pelo ambiente social e cultural à sua volta, de tal forma que a sua perspectiva será sempre condicionada de certa forma, mesmo que em pequeno grau. Estando nós num país polarizado futebolisticamente no Porto, Benfica e Sporting, será assim natural que os árbitros acabem por ver o jogo mais no prisma destas equipas do que no de todas as outras. Acho que é uma opinião consensual que ninguém é mais beneficiado do que Porto, Benfica e Sporting, quando jogam com os restantes adversários (tirando o caso temporário do Boavista num período circunscrito de tempo). Vamos dar um pequeno exemplo de outro factor. Na cabeça de um árbitro, se o Aimar (que provavelmente considera um grande jogador) cai como se fosse rasteirado por um Emídio Rafael (que é ainda um jovem inexperiente), parece legítimo pensar que o juiz poderá ser rapidamente impelido a interpretar o lance como falta do defesa. É responsabilidade dos árbitros saberem filtrar as partidas que os seus próprios instintos lhes pregam mas há também que ter, entre nós adeptos, a noção de que estes “corta-matos” de julgamento acontecem naturalmente – ao invés de se partir para o insulto e a suspeita sobre o árbitro.

Continuando, o meu amigo aventava que, como o Sporting é o clube com menos adeptos entre os 3 crónicos candidatos ao título e o que (aparentemente) tem estado menos envolvido nas lutas de poder dentro dos organismos que tutelam o futebol em Portugal, seria tendencialmente o principal prejudicado (dentro do mini-torneio que existe entre os três grandes) com estes eventuais duplos padrões. Não tenho qualquer base factual para sustentar este raciocínio do meu amigo sportinguista mas há que reconhecer-lhe lógica e senso.

Pela minha parte, não tenho dificuldade em reconhecer que no balanço actual desta época sinto que o Benfica, foi mais beneficiado, em média nos seus jogos do que, em cada um, o adversário que defrontou nessa ocasião. Se isso prejudica o Sporting, o Porto e o Braga, directamente acho que não (a não ser nos jogos em que eles sejam o adversário), indirectamente pode ser argumentado que sim e terei todo o gosto em entrar nessa conversa. Acho também relevante uma análise, exclusivamente de não-benfiquistas, sobre, caso o Benfica seja campeão, se foi ou não futebolisticamente a melhor equipa da liga.

Se todos formos mais pacientes, menos agressivos e também menos defensivos do que em alguns bate bocas suscitados pelos posts anteriores, poderemos chegar a algum lado e, se não conseguirmos diminuir os tema arbitragem e conselho disciplinar, pelo menos torná-los mais produtivo

Quanto ao meu post anterior e às respostas que provocou e que me levaram em grande parte a este texto, acho que o João Nuno oferece-nos um exemplo interessante no que toca ao cerne do mesmo. Na sua opinião (da qual discordo e foi isso que quis manifestar quando disse que devia ter ficado pela primeira frase; se fui mal entendido assumo a responsabilidade e lamento) o Sporting foi prejudicado. Defende ainda que o Sporting é vítima recorrente do critério da cor da camisola. Por outro lado, na sua opinião "o Benfica mereceu ganhar". Pode-se concordar ou não com o João mas a verdade é que não resume o jogo ao lance de Luisão como o fez João Moutinho.

Resumindo, lanço um desafio. Um exercício com o qual o Monos da Bola poderá contribuir para o debate sobre o estado das arbitragens e da existência (ou não) de jogos de bastidores.
Por jornada, poderíamos ter uma análise conjunta de um sportinguista, de um benfiquista e de um portista sobre as incidências de arbitragem e também as disciplinares que forem surgindo. O processo seria simples (se bem que exige algum trabalho). Cada um dos “observadores”, chamemos-lhes assim, utilizará as ferramentas hoje disponíveis pelos fornecedores de tv cabo para gravar os jogos dos 3 grandes. No fim de cada jornada, cada observador indicará aos outros se existiu algum jogo que considere ter havido influência do árbitro do resultado, listando os lances ou a observação geral em que se baseia. Os outros irão visionar o dito jogo e emitir a sua opinião, eventualmente aumentando os lances em análise os quais teriam que ser comentados pelo observador que realizou a denúncia original. Os resultados são publicados, e o debate será aberto no blog. Eu sou voluntário para o lado benfiquista deste exercício e proponho começar-se a título de experiência já na próxima jornada e até ao fim da época em preparação da próxima.